A
cesariana é a cirurgia de grande porte mais freqüentemente
realizada nos Estados Unidos e (também) a mais freqüente cirurgia
realizada sem necessidade. Hoje em dia, cerca de uma em cada quatro
mulheres que ultrapassa as portas de um centro obstétrico será
submetida a uma cirurgia abdominal de grande porte. Muitas dessas
operações, que apresentam riscos de complicações maternas,
inclusive morte, maiores que os partos vaginais, são medicamente
desnecessárias. É impensável que a cirurgia cesariana desnecessária
seja cotidianamente realizada em milhares de mulheres, esbanjando
valiosos milhões de dolares dos serviços de saúde, enquanto quase
40 milhões de americanos não têm acesso aos serviços básicos de
saúde. (Gabay & Wolfe, 1994, p.7. tradução da autora da
resenha)
O relatório Unnecessary Cesarean Sections - Curing a National Epidemic,
publicado pelo Public Citizen's Health Research Group (1994), também
denunciava que, dos 3.159 hospitais para os quais havia dados
disponíveis, a mais alta taxa de cesáreas encontrada era de 63,7%,
seguida de outro hospital com taxa no valor de 57,1%. Referia, por
outro lado, a satisfação de haver encontrado ao menos noventa
hospitais notoriamente recomendáveis: esses apresentavam taxas de
cesárea inferiores a 15% e taxas de parto normal após cesárea (PNAC) iguais ou superiores a 45%.
Se
no hemisfério Norte valores assim elevados de cesarianas são
considerados ultraje ao bom exercício da Obstetrícia - que podemos
dizer de nosso país? Terá essa epidemia migrado para nossas plagas?
Teremos conseguido impedir que nossos profissionais se 'contaminem'
dessas práticas inadequadas?
Infelizmente,
a situação aqui é ainda mais grave: já há algumas décadas essa
epidemia 'contagiou' nosso país, e pesquisas mostraram que a prática
obstétrica em nossos hospitais não é nada exemplar - ao menos no
estado de São Paulo, houve hospitais que chegaram a praticar taxas de
até 100%!!! (Rattner, 1996).
Apesar
das medidas adotadas pelo governo federal e até por alguns
seguros-saúde para coibi-las, o número de cesáreas desnecessárias
continua a ascender, mostrando que outras estratégias, além das
governamentais e coercitivas, se fazem necessárias.
É
inquestionável que a indicação de cirurgia é atribuição dos médicos.
Mas até que ponto as mulheres não foram involuntariamente cúmplices,
por absoluto desconhecimento de como seu corpo funciona e de qual a
lógica que subjaz no aconselhamento profissional que muitas recebem
durante o acompanhamento pré-natal? Ou por terem embarcado na 'moda'
de que cesárea é parto 'tecnologicamente avançado'? Mais prático, não
requer preparação, é possível agendar, e outras 'vantagens'?
Mulheres
(e homens!) agora já podem contar com muita informação, e informação
é poder! É o poder de compreender o que se passa para poder fazer
escolhas sobre o que é melhor para si e para poder negociar, com o
profissional que a acompanha, como deseja que seja atendido o seu
parto - de forma esclarecida e consciente. Este singelo livro é o
mapa da mina para quem anda em busca do bom parto!
Vale a pena lutar por um parto normal depois da cesárea? p.133 |
O
livro elucida em linguagem acessível os mais recentes avanços do
conhecimento: esclarece os fundamentos da medicina baseada em
evidências científicas; comenta sobre o contexto da atenção ao parto
em nosso país; em linguagem coloquial, por meio de perguntas e
respostas, vai, pouco a pouco, iluminando o trajeto para quem busca
saber mais: Como é a dor no caso da cesárea? Por que o parto dói? O
que é a dor provocada pela assistência ao parto (dor iatrogênica)? O
que é mais seguro, para a mulher e o bebê, o parto normal ou a
cesárea? Por que, no Brasil, não se informam adequadamente os riscos
da cesárea ou dos procedimentos usados no parto? Por que é importante
manter o perineo íntegro no parto? O que deixa a mulher mais
satisfeita: o parto normal ou a cesárea?
O
que me dá pânico de parto é pensar em cortar minhas partes
mimosas. Toda mulher tem que fazer o tal pique para o bebê
nascer? Se for preciso cortar embaixo, prefiro uma cesárea. p.95 |
Adotando
um tom bem humorado para suas explicações, vai desvendando de quem
deve ser o protagonismo no parto, se da mulher e seu bebê, ou do
profissional - e como pode ser em cada caso. Numa perspectiva
feminista, de empoderamento feminino, vai sendo constituído o cenário
para o parto do seu desejo: com presença de acompanhante? De doula?
Onde? Qual profissional prestará assistência? Como fazer a lista de
expectativas (plano de parto)? Como negociá-la com o profissional?
Quais são os sinais de que o profissional tem escuta para essas
expectativas e pretende atendê-las? E quais os sinais que apontam
para o oposto?
Em
meu livrinho de convênio há quase cinqüenta nomes de médicos. Se
eu marcar uma consulta por semana, vou chegar no final da
gestação sem conhecer todos eles. Como encontrar um bom
profissional de saúde para me acompanhar na gestação e no parto?
p.69 |
Por
outro lado, não omite que, às vezes, a cirurgia pode ser indicativa,
essencial para o sucesso da finalização de uma trajetória de nove
meses de espera. O capítulo 'Quando a cesárea é necessária' informa
de forma honesta e sem o subterfúgio do linguajar técnico as ocasiões
em que a cirurgia deve ser indicada, ao mesmo tempo em que aponta
alguns dos artifícios adotados por maus profissionais para induzir a
mulher a acreditar que a cirurgia se fez necessária (falta de
dilatação, bacia muito estreita, bebê muito grande, gestante jovem
demais (adolescente), gestante idosa demais...
Esta
semana encontrei uma amiga e ela disse que o médico recomendou
uma cesárea porque o bebê estava com o pé enganchado na costela
dela. Mas se o bebê está no útero, como o pé dele estava preso na
costela? Juro que não entendi. p.119 |
É de forma bem carinhosa que as autoras introduzem o homem - o companheiro - no cenário: "a
participação do parceiro não deve ser pensada como um dever, uma
obrigação, mas como um direito, que pode ou não ser exercido". No
mesmo estilo coloquial e bem humorado vão sendo oferecidas respostas
aos questionamentos que porventura o parceiro possa colocar. No
contexto atual de recente sanção do Presidente à tão aguardada Lei do
Acompanhante - Lei 11.108 de 7 de abril de 2005 -, esse capítulo é
um grande recurso para esclarecer e dar segurança aos companheiros
que desejam ser mais participantes. Saliente-se, todavia, que a lei
dispõe que o/a acompanhante será a pessoa de escolha da mulher -
contemplando mulheres que eventualmente não tenham companheiro.
Gostaria
muito de estar no parto. Aliás ela está me cobrando isso. Mas
passo mal só de estar em um hospital. Tenho medo de desmaiar na
hora. Isso aconteceu com um amigo meu. Não é coisa de boiola,
para outros assuntos eu sou muito macho. p.149 |
Diferentemente
do livro do insigne escritor Michel Odent - também lançado
recentemente (2004), um outro excelente recurso que aborda questões
referentes à cesárea, principalmente nas perspectivas
antropológico-cultural, obstétrica, primal (da sabedoria instintiva
primitiva) e reflexiva - este é um guia eminentemente prático, com
respostas claras às questões que podem afligir quem busca uma
vivência enriquecedora do nascimento de sua criança. Ao final consta
um glossário de termos do âmbito médico e uma lista de outros
recursos de informação, como livros, vídeos e páginas da internet
recomendadas: recursos eletrônicos disponíveis para quem busca mais
informações para consusbstanciar uma decisão consciente e informada.
Com 179 páginas e preço bem acessível (R$ 22,00), em breve se tornará
referência constante para casais (e, possivelmente, para
profissionais de saúde abertos a questionamentos da prática
obstétrica atual). Se a consumidora tem sempre razão e muitas
mulheres decidirem que não abrem mão da vivência enriquecedora de um
parto normal, com tudo o que lhes é de direito, certamente este será o
"ponto de mutação" das curvas ascendentes de nossas taxas de cesarianas desnecessárias. Enfim, como consta na capa posterior, este livro
valoriza
as dimensões saudáveis, positivas, emocionantes e belas da
experiência do parto, para que não seja vivido como uma tortura
imposta às mulheres pelo pecado original ou pela natureza, mas,
sim, como uma experiência emocional, social e corporal saudável,
uma aventura humana que pode ser vivida com segurança graças às
técnicas disponíveis.
Ou, como também foi comentado por Maria Cecilia Dias de Miranda (2005), a respeito do lançamento: "É
mais do que um livro, um coringa para trazer no bolso. Tudo aquilo
que precisávamos para virar a maca, quero dizer dobrar a mesa."
Referências
GABAY, M.; WOLFE, S.M. Unnecessary cesarean sections: curing a national epidemic. Washington (DC): Public Citizen's Health Research Group, 1994. (brochura)
RATTNER, D. Sobre a hipótese de estabilização das taxas de cesárea no Estado de São Paulo. Rev. Saúde Pública, n.30, p.19-33, 1996.
ODENT, M. A cesariana. Florianópolis: Saint Germain, 2004.